Se tem alguma coisa que eu sei que influenciou totalmente minha vida, essa com certeza foi a criação do meu pai.
Eu ouvi desde muito nova que meu pai queria ter um filho homem, que pensava que só com este gênero teria intimidade, sabe? Uma coisa muito comum na geração dele. Mas quando eu nasci foi amor a primeira vista. Ele não ligou se eu era menino ou menina, ele só queria saber se eu estava feliz e saudável. Não me tirava do colo e eu sei que a partir daquele momento esse homem daria a vida por mim.
Os anos foram passando e não existia pai mais bobão, que mima bastante! Ele me ensinou a não ter medo, a encarar a vida, a ser mais dura e resistente e também me ensinou a lutar. Eu tenho memória pra movimentos de luta porque meu pai decidiu me ensinar com três anos de idade. Ele ajudava minha mãe com as fantasias loucas pra trabalhar meu lúdico na infância, como por exemplo papai Noel ou coelho da páscoa. Outra coisa sensacional era que ele era o protagonista da cozinha, não importa com o que ele entrava, sempre saia uma comida deliciosa e criativa. Falando em criação, todos os momentos cômicos que eu vivi na época em que meus pais eram casados foram roteiros dele. E quando eu fazia besteira... Era pra ele que eu corria. Ele sempre procurava conversar, entendia minhas razões e já brigou até com diretora dizendo que eu era a certa da situação. "Minha filha merece é um sorvete", disse ele após eu brigar na escola e ganhar mesmo estando em minoria (eram 4 contra 1).
Ele não ligava pra o que as pessoas falavam... Que eu era muito masculina e essas coisas. Ele falava que iria deixar eu escolher o que quisesse independente de ser azul ou rosa, carrinho ou Barbie, luta ou ballet. Graças a ele, eu sempre tive essa liberdade. Tive muita boneca, mas também fazia minhas lutas muito feliz. E eu podia ver o sorriso dele em me ver feliz...
Fui crescendo e meu pai, mesmo que de maneira conturbada, não deixou de estar lá. Nos abraços de fim de semana, nas noites viradas jogando silent hill no playstation 1 ou me mostrando como se mexia em carros. Ele me ensinou a dirigir, a me localizar na cidade. Em uma idade onde os outros estavam aprendendo a atravessar a rua, meu pai me ensinou a nunca ficar perdida. "Procura um ônibus que vai pra um bairro perto da sua casa, guria. Decora os lugares, presta sempre atenção", ele dizia. Ele também me falou de todos os assuntos tabus. Sim, foi meu pai que sentou em uma cadeira e me explicou sobre sexo. E foi de uma maneira tragicamente engraçada. "É, filha, chegou o momento de você saber... Eu transei com sua mãe", ainda é meio traumático lembrar haha. Ou do momento em que ele entrou na farmácia pra comprar absorvente pra mim porque eu tinha muita vergonha logo que comecei a menstruar e ele perguntou aos gritos qual era meu fluxo. Sim, ele sempre estava lá, do jeito dele. Sempre orgulhoso de mim.
Se eu ficava triste por uma nota baixa no boletim, eu podia contar com meu pai pra me animar, pra me dizer que aquela nota baixa não era relevante perto de todas as outras altas. Ele ficava até de madrugada conversando da vida, contando de seus casos. Depois mais velho, essas conversas reflexivas foram feitas acompanhadas de umas cervejas. Também nunca vou esquecer quando as meninas da família estavam começando a namorar e eu não. Alertaram meu pai que eu seria lésbica, de maneira pejorativa, ainda mais por ter sido criada do jeito que fui e meu pai só olhou e disse "quer saber? Melhor que seja, homem não presta não, eu mesmo, não presto! Mas só acho que o que ela gosta não tem nada haver".
No meu momento mais difícil, aquele abraço me acalmou. Ele estava lá brincando de lutinha e apelidando meus namorados por aí. E também me fazendo viver loucas aventuras... Umas muito boas e outras... Muito ruins. Mas sempre trouxeram um aprendizado.
Meu pai é meu herói. Ele me criou pro mundo, pra buscar felicidade, pra ser independente e me ensinou tanta coisa... Independente de quem ele é agora, ele me criou com carinho. Ele me criou como pai.