quarta-feira, 9 de julho de 2014

O tempo - parte III

-O jantar estava maravilhoso, amor. - eu tinha comido dois pratos cheios e estava limpando minha boca com o guardanapo. Sophie levantou, colocou seu prato na pia e foi tomar banho. - Tom... - Ele estava demonstrando aflição com a cabeça apoiada em suas mãos e olhando para o nada.
-Oi, amor...
-Você vai me dizer a verdade sobre o homem que ligou antes do jantar? - eu segurei sua mão, independente do que ele estivesse sentido, eu sentiria com ele.
-Lê... É algo do trabalho... Um projeto que deu errado...
-Seu chefe vai te demitir?!
-Digamos que eu mexi com algo superior ao meu chefe... E eles virão nos buscar. - quando ele, falou isso, uma lágrima caiu de seus olhos.
-Tom... O que você fez?
Ele enxugou as lágrimas e esboçou um sorriso meia lua:
-Lê, você lembra exatamente como foi o dia que nos conhecemos? O que você estava sentindo e suas aspirações naquela época?
-Ah, eu me lembro... Eu ia seguir a carreira do papai, queria ser agente de polícia e estava alegre, pois tinha acabado de me formar. A gente estava em uma festa com os calouros da faculdade de física-não-sei-oquê e você era um dos caras que estava apanhando de um valentão da minha escola, embora fosse calouro da faculdade - eu sorri. Pude ver o sorriso em seu rosto também.
-Ótimo, de verdade. Agora vamos lá para cima.
___________

Eu peguei as chaves do meu carro e logo fui para a casa deste maldito Thomas. Eu queria entender, já estava começando a acreditar naquelas ficções científicas loucas sobre coisas bobas. Mas eu tinha que investigar mais.
Andei pra lá e pra cá em sua sala, não teria nada de importante ali, pois ele não ia querer que ninguém achasse. Onde estaria qualquer tipo de vestígio de projeto?
O escritório.
Corri escadas acima e a primeira porta a minha direita era a de seu escritório. Muitas estantes, livros e objetos interessantes que eu teria em minha casa. No fundo, uma escrivaninha que assustava o ambiente por ser uma daquelas de madeira antiga e o visual só piorava com aquela cortina verde musgo. Puxei sua cadeira e me sentei tentando analisar a sala sob sua perspectiva.
Ao olhar para sua gaveta, pude ouvir uma voz que sussurrava meu apelido de colégio "Lê...". Minha pele ficou arrepiada tão rápida quanto o movimento que fiz para abrir a gaveta. Papéis, bilhetes, cartas, apostila de física-não-sei-oquê e um desenho de uma tal de Sophie.
Sophie... O nome que sempre quis para minha filha... Aos poucos, aquele homem passava de pesadelo a sonho nunca realizado.
~~trim trim~~

-Sim?
-Leona, sei que está na casa do seu marido - sorriu, mas eu não achei a menor graça - Enfim, o John disse que encontrou uma passagem atrás da estante do escritório dele- "que clichê", eu pensei - e a entrada é aberta pela escrivaninha, mas só com a digital de alguém de sua família.
-Você diz... Filho, filha ou esposa, né?
-Sim.
-De qualquer forma, Mendez. Obrigado. - desliguei o telefone.

Pude ouvir a porta se abrir lá embaixo e peguei minha arma da cintura. Do segundo andar, pude olhar quem estava na sala de estar. Era uma menina loira, que aparentava ter quinze anos. Era bem discreta e não fazia barulho ao andar. Parecia que ela estava checando alguma coisa em relação ao, seu talvez conhecido, Thomas. Desci e baixei a guarda com a arma. Ainda parada nos degraus da escada, eu disse:
-O que procura?
-Mãe!? - disse a garota sorrindo e deixando uma lágrima cair de seus olhos.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O tempo - parte II



"Amor, hora de levantar e ir buscar Sophie na escola" - disse meu marido.
Eu estava tão confortável naquela situação que nem me perguntei se a casa, se o homem a me gritar ou se a filha que me foi apresentada eram reais.
- Tudo bem, amor. Já estou indo... Me distraí com esse programa de culinária e acabei dormindo. - disse eu esfregando os olhos.
Tom desligou a TV com o controle e me olhou sorrindo, "ainda bem que sou eu que cozinho nessa casa". Eu sorri de volta. O dia na agência de modelo tinha sido cansativo, tive que usar mais de trinta vestidos para fotos e aquelas malditas poses acabavam com a minha coluna. Levantei e coloquei meu casaco, não queria me atrasar para buscar Sophie.
Estava sem trânsito e logo cheguei na escola. Como eu não estranhei aquela menina loira correndo até mim? Como eu aceitei tão facilmente que uma ilusão de memória me chamasse de "mamãe"?
Tudo estava tão gostoso, tão bom de se viver, o carro estava bom de dirigir e eu não poderia ter filha mais bonita. 

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~~trim trim trim trim~~

Nunca pensei em como o toque do meu telefone fosse irritante para quem está dormindo. Sentei no sofá e remexi a mesa meio tonta por causa do sono, depois de derrubar duas canetas e meu maço de cigarro, consegui pegar o celular.

-Fala, Mendez.
-Leona, foram achadas digitais e pegadas na casa desse tal de Thomas.
-Alguma pista de como ele tem tudo isso sobre mim?
-Leona, as digitais no corpo dele não foram encontradas no banco de dados. É como se um fantasma tivesse matado ele.
-Esse homem está sendo como um fantasma. Mendez, esse caso é meu... Não quero que ele saia do nosso conhecimento apenas por enquanto. Leva o corpo pro necrotério e não chama a equipe de limpeza ainda, eu quero checar as coisas aí.
-Ok.

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-Cheguei, amor.

-Oi, papai!
Tom limpou as mãos na calça - coisa que eu odiava- e foi nos abraçar. O jantar já estava posto na mesa e Sophie logo se sentou.
O telefone tocou. Tom me olhou meio apreensivo, mas eu estava perto do telefone, então atendi.
-"Já chega, Thomas, eu quero o a droga do projeto e do experimento amanhã na minha mesa! Não posso deixar que você interfira assim!"
- O que? Quem é?!
Tom me olhou como se soubesse quem era, pegou o telefone da minha mão e desligou. "Esse louco tem ligado o dia todo, me disseram que ele tem autismo ou algo assim, não me lembro". Eu sorri fingindo que engoli aquela história e me sentei para jantar.

O tempo - parte I


- Não quero que se lembre de mim como a pessoa que teve que lhe contar sobre a morte dele, mas sim como a pessoa que nunca saiu do seu lado nem em sua morte. 

Eu estava olhando fotos deste estranho que tem me intrigado tanto depois de sua morte, não sabia quem ele era ou que fez, apenas apareceu morto em sua casa e quando fomos investigar, achei fotos minhas em seu álbum de família. Aquele estranho estava me dando nos nervos mesmo morto. Ele morreu assistindo um documentário sobre aquele cadeirante cientista chamado Stephen Hawking. 
- Policial Mendez, por que falou comigo como se a morte deste homem desconhecido afetasse meu emocional?
Ele não entendeu, mas fiquei em silêncio remexendo as fotos mais uma vez porque tudo aquilo era muito chocante. A feição do meu parceiro expressava espanto... O nome do homem era Thomas J. e nada dele era sequer familiar pra mim.
Quando liguei pra perícia, tudo o que pude fazer foi esperar. Fiquei sentada nas escadas do lado de fora de sua casa e Mendez estava ao meu lado, baguncei um pouco meu cabelo tentando aliviar a minha tensão.
"Calma, Leona, é só mais um homem que morreu e a parte estranha é que ele tem fotos suas que você nem se lembra de ter tirado. Só isso" - Não, não era só isso e algo não se encaixava ali. Tudo estava muito estranho. 
- Leona! Achamos um presente pra você! - disse John, meu amigo que trabalhava na perícia. Caminhei até ele e pude ver em suas mãos uma camisola preta com detalhes verdes e em sua outra mão uma caixinha de presente.
- O que é isso? - eu disse limpando o suor de minha testa.
Ele levantou a caixinha e leu " Pensou que eu tinha esquecido do nosso aniversário de casamento, amor? Minha Leona... Te amo. (25/10)".
- Tem certeza que não o conhecia, Leona? 
- Tenho absoluta certeza. John assume com o Mendez daí. Estou cansada e vou resolver outras coisas.
Mentira. Eu só precisava sair daquele local que estava me deixando mais nervosa que nunca. Peguei o carro e dirigi até minha casa. Tentei tirar algumas conclusões.
Eu nunca tivera problemas de amnésia entre outras coisas. E não era possível que eu estivesse com esse homem casada sem ter nenhum registro ou algo assim. Tudo que eu tinha eram aquelas malditas fotos dele. E aquela data de casamento, não sei, aquela data era o dia de amanhã. Eu deveria esperar algum tipo de comemoração? Sei lá, tudo aquilo parecia um sonho louco de uma realidade paralela.
Deitei no sofá e logo adormeci.

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"Amor, hora de levantar e ir buscar Sophie na escola" - disse, meu marido.


quinta-feira, 3 de julho de 2014

Devaneios

Desdobra-te em tuas
Palavras e línguas
Até o ponto de partida

Sorria com força
Até que a espada o corte,
Que a espada o cegue

Esconda-te de si mesmo
Até que o generoso vento lhe mostre
Lições do tempo
E da chuva do pensamento

Amarra-te aos teus anseios em um véu
E minta sobre teus devaneios...
Como uma criança
Jogada rumo ao léu...